Reflexão importante e interessante.
Ver, mas pensar.
Saiu na Folha, em outubro de 2011.
A elusiva grande ideia
NEAL GABLER
OPINIÃO
As ideias não são mais o que eram antes. Antigamente, elas incendiavam debates, estimulavam outros pensamentos, incitavam revoluções e alteravam a maneira como vemos e pensamos o mundo.
Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades -caso notável de Albert Einstein, mas também de Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam ficar famosas -”o fim das ideologias”, “o meio é a mensagem” “a mística feminina”, “a teoria do Big Bang”, “o fim da história”. Uma grande ideia podia ser capa da “Time” -”Deus morreu?”-, e intelectuais americanos como Norman Mailer, William Buckley Jr. e Gore Vidal eram eventualmente convidados para “talk shows” de TV. Como isso faz tempo.
Se nossas ideias agora parecem menores, não é por sermos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos mais tanto para elas. Agora, ideias que não podem ser instantaneamente monetizadas têm tão pouco valor intrínseco que cada vez menos pessoas estão gerando-as, e cada vez menos veículos as disseminam.
Não é segredo, especialmente nos EUA, que vivemos numa era pós-iluminista em que a racionalidade, a ciência, a argumentação lógica e o debate perderam a batalha em muitos setores para a superstição, a fé, a opinião e a ortodoxia. Retrocedemos de modos avançados do pensamento para velhas crenças.
O guru ofusca o intelectual público, substituindo a reflexão pelo escândalo. O ensaio entrou em declínio nas revistas de interesse geral. E há a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens -o que dificulta a expressão das ideias.
Mas a verdadeira causa de um mundo pós-ideias pode ser a própria informação. Numa época em que sabemos mais do que nunca, pensamos menos a respeito disso.
Graças à internet, parece que temos acesso imediato a qualquer coisa que se possa querer saber. No passado, por outro lado, coletávamos informações não apenas para saber as coisas, mas também para convertê-las em algo maior e eventualmente mais útil do que meros fatos -em ideias que davam sentido à informação. Buscávamos não só apreender o mundo como também compreendê-lo, o que é a função primária das ideias. Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam.
Mas se a informação já foi a matéria-prima das ideias, ela se tornou, na última década, concorrente destas. Somos inundados por tantas informações que nem se quiséssemos -e a maioria não quer- teríamos tempo de processá-las.
A coleção em si é exaustiva: o que cada um dos nosso amigos está fazendo num momento específico e no próximo; com quem a Jennifer Aniston está saindo; qual vídeo se tornou viral no YouTube na última hora.
Com efeito, estamos vivendo sob uma lei de Gresham [um conceito econômico] aplicada à informação, em que a informação trivial expulsa a informação significativa, mas também sob uma lei de Gresham aplicada às ideias, em que a informação, trivial ou não, expulsa as ideias.
Preferimos saber a pensar, pois saber tem mais valor imediato. O saber nos mantém no circuito, conectados. Certamente não é por acaso que o mundo pós-ideias tenha brotado junto com o mundo das redes sociais.
Embora haja sites e blogs dedicados às ideias, o Twitter, o Facebook, o MySpace, o Flickr e outros são basicamente Bolsas de informação, criadas para alimentar a fome por informação, embora raramente o tipo de informação que gere ideias. É, em grande parte, algo inútil, exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir informado. E esses sites estão suplantando o texto impresso, que é onde as ideias tipicamente têm sido gestadas.
São formas de distração ou de antipensamento.
As implicações de uma sociedade que já não pensa grande são enormes. Ideias não são apenas brinquedos intelectuais. Elas têm efeitos práticos.
Um amigo meu se perguntou, por exemplo, onde estão os novos John Rawls e Robert Nozick, filósofos capazes de elevarem a nossa política.
Pode-se certamente argumentar o mesmo a respeito da economia onde John Maynard Keynes continua a ser o centro do debate quase 80 anos depois de propor a sua teoria do estímulo governamental.
Isso não quer dizer que os sucessores de Rawls e Keynes não existam, mas é improvável que eles consigam ganhar força numa cultura que vê tão pouca utilidade nas ideias. Todos os pensadores são vítimas do excesso de informação.
Sem dúvida haverá quem diga que as grandes ideias migraram para o mercado, mas há uma enorme diferença entre as invenções voltadas para o lucro e os pensamentos intelectualmente desafiadores. Alguns empreendedores, como Steve Jobs, da Apple, já tiveram ideias brilhantes, no sentido “inventivo” da palavra.
Essas ideias, porém, podem mudar a maneira como vivemos, mas não a forma como pensamos. Elas são materiais, e não relacionadas ao universo das ideias propriamente ditas. A nossa carência é de pensadores.
Nós nos tornamos narcisistas da informação, tão desinteressados por qualquer coisa alheia a nós ou ao nosso círculo de amizades, ou por qualquer migalha que não possamos dividir com esses amigos, que se um Marx ou Nietzsche de repente aparecesse berrando suas ideias ninguém prestaria a mínima atenção -certamente não a mídia geral, que aprendeu a atender ao nosso narcisismo.
O que o futuro anuncia é um volume cada vez maior de informação -Everests dela. Não haverá nada que não saibamos. Mas não haverá ninguém pensando a respeito. Pense nisso.
Neal Gabler é o autor de “Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana”