A LINGUAGEM DAS COISAS
Melhor leitura de 2010, o livro de Deyan Sudjic, diretor do Design Museum, é um convite a diferentes reflexões. Passeando pela história dos objetos, a narrativa é estruturada em cinco grandes áreas: Linguagem; O design e seus arquétipos; Luxo; Moda; e Arte. Livro indispensável, com uma leitura fluida e agradável.
Na época do lançamento, várias críticas, entrevistas, artigos foram divulgados. Disponibilizo uma seleção interessante, que complementa e aprofunda a discussão.
Começando por uma entrevista dada ao Silio Boccanera, no Programa Milênio, da Globo News, em 12/07/2010.
Na Folha, dia 01/06/2010:
Coisas que atraem
Livro analisa como consumo é guiado pelo poder de sedução do design e mostra o que existe por trás dos produtos usados no cotidiano
Logo no início de seu “A Linguagem das Coisas”, o inglês Deyan Sudjic conta como, numa loja do aeroporto londrino de Heathrow, comprou quase sem notar seu quinto laptop da Apple em oito anos.
Não que o anterior estivesse quebrado ou obsoleto.
Mas, observa o autor, “a Apple acha que o caminho para sua sobrevivência num mundo dominado pelos programas de Bill Gates e pelos componentes físicos chineses é usar o design como isca para transformar seus produtos em alternativas almejadas ao que os seus concorrentes estão vendendo”.
Sudjic, diretor do London Design Museum, lembra, então, que a ideia de sucatear tão depressa “algo que pouco tempo antes parecia prometer tanto” não é nova.
Existe pelo menos desde 1930, quando os pioneiros do marketing americano, na ânsia de que o consumo tirasse o país da Grande Depressão, criaram o termo “engenharia de consumo”.
Num livro de 1932 citado por Sudjic, o pioneiro da publicidade Earnest Elmo Calkins escreveu que “os bens são de duas classes: os que utilizamos, como carros e aparelhos de barbear, e os que consumimos, como pastas de dentes ou biscoitos amanteigados. A engenharia de consumo precisa tratar de fazer com que consumamos o tipo de produtos que agora simplesmente utilizamos”.
E o maior responsável pelo êxito de tal tese, segundo a obra do inglês, é o design.
Mas, e o papel, nessa cadeia, da publicidade e da propaganda?
“O aspecto mais poderoso do design é que ele consegue se apresentar como conectado à cultura, enquanto o marketing e a publicidade são sempre compreendidos como manipuladores e, de certo modo, sinistros”, afirmou Sudjic em entrevista por e-mail à Folha.
E o que dizer então do papel da tecnologia na cadeia de consumo -senão, como explicar que o CD mata o vinil para logo ser morto pelo MP3, o mesmo ocorrendo com VHS/DVD/Blu-ray?
“O design é a maneira pela qual a tecnologia adquire uma face humana. Ninguém entende todas aquelas siglas, mas as pessoas compram Apple, que pode até não ter a tecnologia mais avançada, mas a embala de um jeito desejável e sedutor.”
Também na Folha, dia 01/06/2010:
“Crise não detém a febre consumista”
Para crítico inglês, design ajuda a manter a indústria de objetos supérfluos mesmo com colapso econômico
Autor afirma que Estado emulou papel que cabe aos produtores e critica designer que age como “vendedor” ou “guru”
Autor de obras de referência em arquitetura e design, o inglês Deyan Sudjic escreveu “A Linguagem das Coisas” pouco antes da crise econômica mundial.
Num certo aspecto, o baque das principais economias capitalistas poderia descredenciar sua tese de que as sociedades modernas são moldadas para consumir cada vez mais objetos de que não necessita.
Para o crítico inglês, o “crash” só lhe deu razão, na medida em que o Estado emulou o papel de estimulador do consumo que normalmente caberia à indústria.
“O mais estranho é que nada mudou. A resposta à crise foram governos de todo o mundo dando incentivos para as pessoas comprarem outro carro”, afirma.
O design e os designers, avalia Sudjic, são parte crucial nesta engrenagem, ao “ajudar a fazer um produto novo parecer mais desejável do que um velho, e com que esse que está sendo substituído pareça ultrapassado”.
JOIAS EM CASA
Questionado sobre como a crise afetou o mercado mundial de luxo, um dos tópicos que aborda em seu livro, o arquiteto diz que os milionários de hoje não adotaram as mudanças no comportamento vista nos anos 1970, “quando as Brigadas Vermelhas na Itália começaram a sequestrar os ricos, que responderam usando carros velhos e deixando suas joias em casa”.
Na sua cruzada para mostrar como o design controla o mundo, Sudjic diz que os profissionais do setor agem “tanto como gurus quanto como vendedores”.
“Seria mais útil começarem a agir como designers, pensar sobre os problemas reais, se perguntarem se faz sentido transformar em sucata um Volkswagen com 20 anos de uso para comprar um carro elétrico novo -pois embora o carro velho gaste mais combustível, construir um totalmente novo pode causar ainda mais problemas. O design deveria tratar de fazer perguntas difíceis.”
Sudjic diz que procura aplicar tal visão crítica ao museu londrino que dirige, um armazém remodelado às margens do rio Tâmisa.
“O que torna o design interessante é que ele aborda ao mesmo tempo cultura e comércio. Tratá-lo simplesmente como escultura, pendurar objetos bonitos em brancos espaços vazios seria uma postura enganosa.”
“Tentamos”, acrescenta, “discutir não apenas como as coisas parecem, mas como elas são feitas, por que eles são feitas e o que elas significam. Não queremos parecer uma loja ou uma galeria de arte”.
Pra fechar as referências na Folha, uma crítica do Flávio Barão di Sarno:
Livro ensina a questionar e rejeitar arquétipos de objetos do cotidiano
Se você é um consumidor, este livro lhe diz respeito. Sua agradável leitura traz à tona o imenso universo de significados que existe por trás dos, aparentemente inocentes, objetos que nos circundam. Se você mora em uma cidade, todas as coisas que estão ao seu redor foram criadas por alguém. Só plantas e animais de estimação fogem à regra, apesar de também terem sido recriados através da manipulação de espécies.
Todo dia, tocamos em centenas de produtos e normalmente não nos perguntamos por que eles são assim como são. Acostumamo-nos a um cotidiano criado e normalmente nos adaptamos a ele sem questioná-lo.
Sem ter consciência das consequências do nosso corriqueiro ato de efetuar uma compra, validamos uma série de questões complexas, que definem como este universo vai sendo moldado.
Portanto, quando você fala “como a minha cidade é feia” ou “já não se fazem mais produtos como antigamente”, não se esqueça de lembrar que você é parte fundamental da construção do ambiente ao seu redor.
Abordando com clareza temas pertinentes ao universo das coisas, como a moda, o luxo e a arte, o livro dá ao leitor uma oportunidade de entender como é possível transferir complexos significados a pedaços de plástico, metal ou tecido, fazendo o indivíduo sentir a necessidade de consumir para poder adquirir os valores positivos atribuídos a estas coisas. Um assunto bem abordado são as formas arquetípicas dos objetos.
Muitas coisas possuem um arquétipo que define a sua categoria. Basta pensar em uma vassoura, que a sua forma essencial aparece em nossa cabeça. Saber da existência destes arquétipos é importante para vender produtos e, ao mesmo tempo, pode ser muito esclarecedor para os consumidores.
É mais difícil vender um novo objeto que acondicione adequadamente palitos de dentes do que colocar mais um paliteiro convencional no mercado.
No entanto, isso nos faz continuar comprando estes paliteiros que não funcionam direito. É preciso saber que os arquétipos existem para podermos rejeitá-los quando necessário. O momento em que vivemos exige isso, e a leitura deste livro é um grande começo.
FLAVIO BARÃO DI SARNO é sócio do estúdio Nódesign e professor do Instituto Europeu de Design.
Por fim, um vídeo extra do Programa Milênio, disponível até o dia em que a globo.com o tirar do ar.