fev

09

SERENDIPITY

Retomando as atividades… muitas coisas espalhadas por aqui, se perdendo e envelhecendo esquecidas. Por isso, vale o recomeço pelo acaso.

Essa despedida da coluna dominical do Gilberto Dimenstein, em 27 de novembro de 2011, fala dessas coisas que acontecem por aí. E mudam tudo.

Minha palavra mais bonita

Não conheço nenhuma palavra mais bonita do que “serendipity”. Por isso, vou usá-la na minha despedida deste espaço, que, a partir de hoje, deixa o papel e migra para a edição digital do jornal.

Inventada por um inglês, em 1754, que se inspirou numa lenda persa, “serendipity” é uma palavra impossível de ser traduzida para outros idiomas num único termo.

Superficialmente, ela significa o prazer das descobertas ao acaso. Um velho amigo encontrado numa inóspita cidade estrangeira, os acordes de um violino tocado em um parque numa tarde de outono, uma súbita paisagem de uma praia que aparece quando caminhamos numa mata fechada.

Um encontro amoroso no final da madrugada, quando já estávamos conformados de ficar sozinhos ou um prato feito com ingrediente exótico num improvável restaurante de beira de estrada.

Mas o significado profundo de “serendipity” vai além do imprevisto. É o encanto da transformação dos acasos em aprendizagem. O bacteriologista Alexander Fleming viajou de férias e se esqueceu de guardar os pratos em que fazia experiências para curar infecções. Um fungo caiu do teto em um desses pratos. Descobriu-se o antibiótico. Se o tal fungo não tivesse caído na frente de um bacteriologista atento, seria apenas um bolor inútil.

Por trás da palavra, existe a ideia de que o melhor da vida é a aventura do aprender pela experiência -o que compensaria os riscos e a dor provocada pelos sucessivos erros.

A Folha é meu “serendipity”. Investiguei as mais variadas modalidades de corrupção, o assassinato de crianças, a exploração sexual de meninas, os personagens invisíveis que habitam as cidades. Os cenários iam da cracolândia, em São Paulo, aos morros do Rio, ao Harlem, em Nova York e às favelas da Índia ou da Colômbia, passando pelos gabinetes refrigerados de Brasília e, neste momento, pelos centros de pesquisa de Harvard e do MIT. Ganhei todos os prêmios possíveis como jornalista e escritor, o que é ótimo para o ego, é claro, mas o que sobrou mesmo foi a emoção da descoberta.

Nesse meu flanar, fui fisgado por um encontro casual, que me tirou da segura e previsível rota do jornalismo. Passei a me emocionar não só com o furo, mas com a comunicação, especialmente com seus recursos digitais para a aprendizagem e com o engajamento comunitário. É um olhar arriscado: não só assistimos ao jogo para descrevê-lo. Somos também jogadores. Em meio a uma efervescente polêmica sobre os limites da objetividade, estudiosos da mídia dos Estados Unidos batizaram, com diferentes nomes, esse olhar de jornalismo: “civic”, “public” ou “community”. No Brasil, a tendência ganhou o nome genérico de “educomunicação” e virou curso de graduação na USP.

Ao morar em Nova York e voltar para São Paulo, apaixonei-me pela possibilidade de usar os recursos digitais para ajudar a fazer das cidades uma experiência educativa. As cidades são o melhor meio de comunicação já inventado: um ponto de encontro e difusão das informações.

Confesso que, nessas experimentações entre comunicar e educar, não sabia mais direito o que eu era ou o que eu fazia. Foi o que me levou a aceitar o convite para participar de uma incubadora de projetos em Harvard. Vim aqui para ficar seis meses. O projeto estendeu-se por mais seis meses e, agora, vai até o final de 2012, embora eu possa ficar parte do tempo em São Paulo, desenvolvendo o projeto de jornalismo comunitário em colaboração com o Media Lab (MIT).

Nesse flanar por outros caminhos, tornei-me dispensável -dispensável e caro- para versão impressa do jornal, obrigado a lidar com os crescentes desafios da mídia no papel.

Mas aí está a dor e a delícia do “serendipity”: para viver experiências, sempre estamos nos despedindo de alguma coisa de que gostamos.

PS – Aproveito esta despedida da versão impressa para dizer publicamente o que tenho falado privadamente. Não fosse Otavio Frias Filho, disposto a apoiar tantas experiências por tanto tempo, eu não teria tantas histórias para contar.

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set

13

APENAS PESSOAS

Dá pra entender perfeitamente o motivo que leva tantas pessoas a estudar, pesquisar e escrever sobre a forma de elevar a motivação, alegria e produtividade dos funcionários. Contudo, é algo tão óbvio, algo tão enraizado no mundo da publicidade e do design, que é difícil digerir tanto alvoroço.

De qualquer maneira, belo o texto do Dimenstein, na Folha, de 11/7/11. E melhor ainda deve ser o livro que ele se refere (O Princípio do Progresso). Tem um trecho disponível para leitura, por aqui, em inglês.

A coluna também está disponível e liberada pelo Catraca Livre.

O princípio do progresso
Há uma ilusão entre executivos de que jogar duro e pagar muito seria a receita de sucesso

Todos os dias, 238 profissionais de sete empresas confidenciavam num diário como se sentiam no trabalho. No anonimato, tinham liberdade total de escrever o que bem entendessem, relatando raivas, frustrações e alegrias. Nem eles nem os pesquisadores, todos psicólogos, sabiam que, daquelas confissões, surgia involuntariamente um indicador tanto para saber até que ponto uma empresa estava condenada a não criar um ambiente propício para a inovação, correndo o risco de ir mal nos negócios, como para, ao contrário, saber se a empresa estava sendo capaz de implementar descobertas importantes, que atraíssem lucros.

Os diários, recheados com os 64 mil comentários, transformaram-se num estudo intitulado “O Princípio do Progresso”, recém-lançado pela editora da escola de negócios de Harvard e indicado como leitura obrigatória por publicações especializadas em recursos humanos.

Da leitura dos diários, constatou-se que o ânimo do empregado para se engajar em inovações depende, em primeiro lugar, de uma sensação de progresso individual obtida cotidianamente. “O progresso está nas pequenas conquistas, quando as pessoas se sentem aprendendo, descobrindo soluções e superando obstáculos”, diz Teresa Amabile, uma das autoras do estudo, psicóloga pós-graduada em Stanford e professora da escola de negócios de Harvard, onde desenvolve pesquisas sobre criatividade empresarial. Isso significa, em poucas palavras, que a empresa deve ter um ambiente aberto à experimentação e à aprendizagem. “O valor da aprendizagem aparece na frente de reconhecimento ou dinheiro para manter o entusiasmo”, acrescenta.

O foco da investigação foram equipes que trabalhavam em projetos inovadores, gente de quem se exige que encontre soluções, e não apenas que repita o que já se faz, fugindo do que especialistas em recursos humanos batizaram de “aposentadoria mental”. Apenas uma empresa, na qual os empregados revelaram, em seus diários, ter encontrado constante prazer na experimentação, conseguiu desenvolver um produto inovador.

Naquela que teve as piores considerações dos funcionários, o resultado foi um desastre. “Não apenas não gerou nada de novo como também, logo depois de nossa pesquisa, foi vendida para uma firma menor”, afirma a professora. Romper barreiras da inovação exige muito engajamento e ânimo. Um dos exemplos, segundo Teresa, é o Google. “Eles determinaram que seus funcionários teriam 20% de seu tempo para pesquisar o quisessem. Assim nasceu, entre outras coisas, o gmail.”

Com os questionários já tabulados, Teresa Amabile resolveu ampliar sua investigação. Mandou então um questionário a 699 executivos para saber quais eram os fatores que mais influenciavam o ânimo dos empregados. “O fator ‘progresso’ não apareceu em primeiro lugar”, constata. Significa quase só 5%. Há uma ilusão entre executivos de que jogar duro e pagar muito seria a receita de sucesso. “O que motiva, pelo menos na geração de inovação, é o prazer da conquista, não a cobrança.”

Está aí, certamente, um dos motivos por que os jovens preferem abrir suas empresas – as chamadas start-ups – e por que está cada vez mais difícil para grandes grupos atrair e reter jovens talentos.

O que esse estudo descobriu é o fato de que as empresas inovadoras têm de assegurar um espaço institucional de desordem para gerar progresso. Apesar de a investigação ter sido focada em equipes que tinham projetos específicos, Teresa acha que o “princípio do progresso” vai muito além: não se sobrevive, num ambiente competitivo, sem renovação constante.

Uma pesquisa realizada pelo Gallup revelou recentemente um recorde de desânimo entre os trabalhadores americanos, o que foi traduzido por economistas em números: a falta de engajamento tiraria cerca de R$ 500 bilhões da economia, em decorrência da perda de produtividade.

PS- Coloquei um trecho do livro “O Princípio do Progresso” na internet (www.catracalivre.com.br) para quem quiser obter mais dados. O que aprecio nesse estudo é a ideia de que a melhor empresa é uma escola de aprendizagem permanente, que obriga a reciclar os papéis. Quem manda terá de ser quem ajuda a aprender.

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jul

10

CÉREBRO DE PIPOCA

Coluna do Dimenstein, dia 03/07/2011, na Folha:

O GOOGLE anunciou na semana passada um projeto para enfrentar o Facebook, disposto a reinventar a mídia social. A notícia teve óbvio impacto mundial e despertou a curiosidade sobre mais uma rodada de inovações tecnológicas, capazes de nos fazer ainda mais conectados.

No dia seguinte, porém, o Facebook reagiu e anunciou para esta semana uma novidade também de grande impacto, possivelmente em celulares. Para alguns psicólogos americanos, esse tipo de disputa produz um efeito colateral: um distúrbio já batizado de “cérebro de pipoca”.

Esse distúrbio é provocado pelo movimento caótico e constante de informações, exigindo que se executem simultaneamente várias tarefas. Por causa de alterações químicas cerebrais, a vítima passa a ter dificuldade de se concentrar em apenas um assunto e de lidar com coisas simples do cotidiano, como ler um livro, conversar com alguém sem interrupção ou dirigir sem falar ao celular. É como se as pessoas tivessem dentro da cabeça a agitação do milho explodindo no óleo quente.

A falta de foco gera entre os portadores do tal “cérebro de pipoca” um novo tipo de analfabetismo: o analfabetismo emocional, ou seja, a dificuldade de ler as emoções no rosto, na postura ou na voz dos indivíduos, o que torna complicado o relacionamento interpessoal.

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