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CHUEK

Erros de português dão o que falar. No mundo virtual, a circunstância aparece no oportunismo de capturar esses pequenos deslizes. Descontraída a reportagem sobre keywords, no Valor.

Vá a ‘Maiami’ e traga um ‘home teacher’
Por Cibelle Bouças

Griselda Pereira trabalhou por anos com serviços gerais, mas ficou milionária ao acertar um jogo da Mega Sena. Tornou-se empresária e, com pouco tempo de folga, passou a comprar itens pela internet. Griselda acessa um site de buscas e inicia a pesquisa de vários produtos: um “edredoum”, um “home teacher”, um DVD dos “Smorfes” e uma passagem “aéria” para “Maiami”. Os resultados dessas buscas? Griselda comprou o seu edredom na Portcasa, o home theater, no Mercado Livre. As passagens para Miami ela adquiriu na Viajanet. E trocou o DVD de “Os Smurfs – O Filme” pelo serviço de vídeo sob demanda da Netmovies.

Griselda é um personagem fictício, mas os exemplos acima – de buscas na internet com erros de ortografia – são todos reais. Por pressa ou desconhecimento da língua portuguesa, boa parte das pesquisas tem erros de grafia. Os serviços de busca do Google, do Yahoo e da Microsoft (Bing) desconsideram os erros de acentuação, de tão comuns que eles se tornaram. A alta incidência de erros, no entanto, tem feito grandes empresas pagarem mais por palavras erradas nos leilões dos chamados links patrocinados – os anúncios pagos que aparecem com os resultados das pesquisas on-line.

Do total de palavras escolhidas pelas empresas para associar às suas marcas, 15% dos termos contêm algum erro, o que vai da troca de letras à pesquisa de expressões esdrúxulas, como “home teacher” ou “holmer theater”. O que o consumidor queria, claro, é um home theater.

“Muitos consumidores buscam o termo incorreto, mas compram. É preciso ver esse problema como oportunidade”, diz Igor Lima, gerente de negócios para o mercado imobiliário do Google.

A OLX, empresa de classificados gratuitos na internet, negocia permanentemente cerca de 1 milhão de palavras, incluindo termos errados. Rodrigo Ribeirão, diretor-presidente da OLX para Brasil e Portugal, diz que só as buscas por nomes de empresas com erro representam 13% do total. A escolha dos termos errados baseia-se em buscas feitas por usuários no site da OLX e em sugestões dos sites de busca. “É uma ação de tentativa e erro, com a qual fica mais fácil identificar quais os termos mais procurados.”

A Netmovies já achou casos como “relry potter” e “reyi port”, para Harry Potter, e “Chuek”, para Shrek

O caso mais emblemático de escolha acertada de um termo com erro é o da Tecnisa. A incorporadora compra em média 400 mil palavras nos serviços de buscas, sendo 60 mil com erros. A Tecnisa pagava R$ 0,05 por clique de usuário que pesquisasse “gravides” (gravidez) e clicasse no seu link patrocinado. Havia pouca demanda pela palavra, até que a Tecnisa vendeu um apartamento de R$ 380 mil a uma usuária que pesquisou o termo e se interessou pelo anúncio. O resultado foi uma corrida pela palavra, cujo preço subiu para R$ 4 por clique. Romeo Busarello, diretor de marketing da Tecnisa, diz que 40% das vendas da incorporadora são feitas na internet. Desse total, 60% começam em uma busca do Google. “Tenho que ser encontrado pelo consumidor, não importa como ele pesquisa”, diz o executivo.

Para a locadora Netmovies, descobrir o que o internauta pesquisa é às vezes uma missão quase impossível. Há erros em títulos, nomes de atores e de diretores. Claudia Quintella Woods, diretora de marketing da empresa, diz que metade das cerca de 1,2 milhão de palavras-chaves que negocia contém erros. Entre os casos mais estranhos estão “fime smanfer”, “smofes” e “esmorfes” para “Os Smurfs – O Filme”; “fimenes pornogrates” (filmes pornográficos); “fimes bruna sufixinha” (“Bruna Surfistinha”); “rereporte”, “relry potter” ou “Reyi port” (Harry Potter); “Chuek” (Shrek); “fimes com estives cegal” (filmes com o ator Steven Seagal). “É um desafio entender o que o internauta procura para oferecer o filme”, afirma.

Cristiana Braz, diretora de pós-vendas do Yahoo no Brasil – responsável também pela área de links patrocinados do Bing, da Microsoft -, afirma que os setores que mais compram palavras-chaves são os de imóveis, turismo, aéreo e de comércio eletrônico. Entre os que mais adquirem palavras com erros estão os de eletroeletrônicos, turismo e vídeos sob demanda.

O Mercado Livre negocia em média 12 milhões de termos. Desse total, 15% contêm erros. Os casos mais comuns são os de produtos com nomes em inglês, diz Helisson Lemos, diretor-geral da empresa. Na lista entram “blutuf” (para bluetooth), “aiped” (para iPad) e “ismartifone” (para smartphone).

Alex Todres, sócio-fundador da Viajanet, também observa um grande volume de pesquisas com erros na área de turismo, como “Maiami” e “Disnei”. Para cada grupo de 100 palavras-chaves que a Viajanet compra, 20 contêm erros. “A pressa e o desconhecimento da língua são as principais causas para esse cenário”, afirma Todres.

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POUCA REGRA PARA O SIM

Já declarei meu respeito e admiração pelo EU & Fim de Semana, do Valor. Pois essa semana eles vieram discutindo o mundo da publicidade a partir das visão das lendas da publicidade brasileira. Bem pertinente a visão de cada um e uma constatação, no mínimo, intrigante: o mundo da publicidade vem, cada dia mais, sendo concentrado na mão de poucos.

Na sequência, bem lembrada referência à Mad Men, mágica série televisiva.

Reportagem de capa: Agências de propaganda dão adeus ao romantismo de sua era de ouro, adotam discurso da eficiência e procuram aliar boas ideias à técnica.

A publicidade em busca de nova marca

Roberta Campassi | Para o Valor, de São Paulo

A capa desta edição tem a assinatura de Francesc Petit, artista plástico e diretor de arte, mas também conhecido como a letra “P” da DPZ, uma das agências fundamentais na construção da marca da publicidade brasileira. Já a ilustração da página que você vê ao lado foi concebida por Guga Ketzer, vice-presidente de criação da Loducca, detentor de alguns dos mais importantes prêmios nacionais e internacionais e apontado como estrela entre os jovens talentos. Petit, 76 anos, e Ketzer, 31, criaram as duas peças a partir de um proposta do Valor: traduzir os desafios do profissional de propaganda para a linguagem publicitária. As grandes sacadas de antes, polemiza Petit, foram engolidas pela tecnologia. Numa espécie de antagonismo geracional, Ketzer sugere que nem tudo se reduz ao código binário na publicidade atual. “Não é sobre números”, diz seu texto, não menos provocativo.

Ambos emitem sinais da profunda transformação provocada pelo pantanoso terreno digital. Houve um tempo, argumentam alguns profissionais, em que a publicidade era mais artesanal: envolvia uma ideia original e criar uma campanha que se materializasse em vídeo de 30 segundos para TV, spots de rádio, outdoors e anúncios impressos. As agências ganhavam dinheiro, os mais talentosos desfrutavam do status de pop star e o ofício era pautado mais por ideias do que pelos resultados financeiros ou pela tecnologia.

A vida de publicitário é outra hoje. A multiplicação de mídias alterou conceitos, pulverizou a atenção dos consumidores e tornou mais complicado alcançá-los. Há quase um consenso no meio de que o espaço individual para brilhar dentro das agências encolheu e o romantismo da era de ouro da propaganda perdeu espaço para o reino das planilhas, no qual quem dá as cartas são os conglomerados de publicidade. “O trabalho numa agência está bem mais complexo. Exige muito mais gente e tempo para ser feito”, afirma o publicitário Marcello Serpa, sócio e diretor-geral de criação da AlmapBBDO, considerada uma das agências mais criativas do mundo e responsável por uma verba publicitária de R$ 2 bilhões somente no ano passado.

“Aquela frase do Tom Jobim, ‘o Brasil é para profissionais’, nunca foi tão pertinente, só que agora também no bom sentido”, diz Nizan Guanaes, “chairman” do grupo ABC

Do lado gerencial, receitas, resultados e metas de crescimento nunca foram tão importantes como agora. “Aquela frase do Tom Jobim, ‘o Brasil é para profissionais’, nunca foi tão pertinente, só que agora também no bom sentido”, afirma Nizan Guanaes, fundador e “chairman” do grupo ABC, criado em 2002 com a proposta de consolidar várias agências para ampliar a gama de serviços e obter economia de custos. “Costumo brincar com meus sócios nas agências que a melhor forma de eles me verem longe do dia a dia de suas operações é apresentarem grandes resultados.”

O ABC é o 19º maior grupo de publicidade mundial, com 14 empresas e escritórios no Brasil e nos Estados Unidos. Em 2010, cresceu mais rápido do que qualquer outro na lista de 50 maiores do mundo. Já a linha de frente do mercado global continua dominada pelos grupos WPP, Omnicom, Publicis e Interpublic, que nos últimos anos vêm fazendo aquisições quase compulsivamente, como forma de agregar novos serviços, ampliar a presença em mercados emergentes e, claro, elevar as receitas. “A consolidação do mercado não terminará tão cedo, até porque um mercado vibrante e em crescimento como o brasileiro é a ecologia perfeita para o surgimento de novas agências independentes”, diz Nizan. “O mérito do processo é disseminar a excelência da propaganda brasileira na gestão e na criação.”

No Brasil, o episódio que parece simbolizar a passagem definitiva para uma publicidade mais complexa e globalizada é a venda da DPZ, agência de Petit em sociedade com Roberto Duailibi e José Zaragoza, para o francês Publicis Groupe, por um valor divulgado de US$ 120 milhões. Protagonista de alguns dos melhores capítulos da publicidade brasileira – quem não se lembra das campanhas da Bombril, com o ator Carlos Moreno, ou do frango da Sadia? -, a DPZ foi a última grande agência de capital nacional a se associar a um grupo. Constante alvo de ofertas de compra ao longo de sua história, a DPZ manteve-se firme até dois anos atrás, quando os sócios finalmente delegaram ao CEO Flavio Conti a tarefa de costurar um acordo com o Publicis.

Olivetto: a WMcCann como uma Maria Sharapova, “grande e sexy”

(mais…)

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CICLO DE CARREIRA

Interessante o artigo da Betânia Tanure, no Valor, de hoje. Um assunto muito abordado também na FDC, demonstra como é importante o auto-policiamento das nossas ações e atitudes.

Os quatro estágios do ciclo de carreira de todo CEO

O ciclo de carreira de qualquer pessoa, em qualquer posição, tem quatro estágios. Pensemos no CEO. Quando ele assume a função, seja ou não pela primeira vez, é importante, como parte de sua atuação no primeiro estágio, aculturar-se, entender a organização e observar qual é a perspectiva de orquestrador geral no novo ambiente.

Para quem inicia a carreira de CEO, o processo de aculturação não é o mesmo de quem já exerceu o cargo em outras empresas. Uma diferença importante está nas expectativas pessoais quanto à nova função. Muitas vezes a sensação de quem chega à presidência é de “finalmente consegui!” Em pouco tempo, porém, surgem alguns questionamentos: “Era isso mesmo? Tudo indica que não vou ficar tão independente como imaginava”. Ele observa que tem um board como seu chefe: “Tudo o que eu cobrava do meu presidente, agora é comigo…” E que, mesmo após adaptar-se a isso, os desafios que ele tem a enfrentar não são pequenos.

É no primeiro estágio que o CEO deve sair da posição comum de quem garante diretamente o resultado do business para a de quem tem como principal tarefa “recalibrar” o foco e a energia pensando no curto e no longo prazos. Trata-se de uma atuação mais estratégica e institucional, a qual nem todos os executivos – mesmo que excepcionais gestores de unidades de negócio ou funcionais – querem ou sabem realizar. Tanto o CEO iniciante quanto o mais experiente têm pontos a desenvolver. Um deles, aliás, é o de lidar com o legado do presidente anterior, que, muitas vezes inconscientemente, criou algumas armadilhas para manter seu sucesso, as quais podem comprometer o desempenho da nova etapa.

O novo líder enfrenta ainda as expectativas dos seus liderados. Uma delas é de que seja o “salvador da pátria”, especialmente quando a empresa está em situação difícil e ele vem de fora. A ansiedade é grande também para ele. Um novo jogo de poder será estabelecido. Então o que deve fazer? Ouvir, ouvir e ouvir. Com isso, e no tempo certo, compreenderá melhor o sentimento geral, inclusive os seus, e não estará sujeito à armadilha de se colocar como “todo-poderoso”, aquele que tem todas as respostas e soluções para todas as pessoas. Caso contrário, pulará o estágio seguinte, da consolidação, e não se fortalecerá. Ou, como ocorre em alguns casos, irá direto para a quarta etapa, o que caracteriza o fracasso da escolha.

No segundo estágio já se conhecem razoavelmente o cenário e as variáveis mais importantes. Além disso, o mapa de poder, com seu dinamismo natural, já tem um novo desenho e os resultados começam a aparecer, o que contribui para a consolidação na liderança. Essa etapa é do esplendor da energia individual, empresarial e, portanto, de resultados.

Daí se passa para o terceiro estágio. Agora é necessário reinventar-se. As variáveis estão “sob controle” (ah, se isso fosse possível!). O modelo de negócios se altera cada vez mais rapidamente. Estamos na era das incertezas, na qual (como eu disse no último artigo desta coluna) o grande líder sozinho já não consegue ser vencedor. É um equívoco ele achar que o sucesso é só seu.

Não raramente, mesmo os que obtêm sucesso nessa etapa estão em posição de risco. É comum que pessoas bem-sucedidas se recusem a ouvir novas ideias. Ficam míopes, deixando que a arrogância, muitas vezes disfarçada de simplicidade, invada suas vidas. O controle e a burocracia dominam. Aí se desenha claramente o declínio. Quem está ao lado do líder durante essa etapa enxerga tal realidade antes dele. O protagonista está embevecido com o próprio sucesso e a própria história.

Um dos sinais de inteligência de um bom líder é a capacidade de perceber antes dos outros o fim e o início de cada um dos estágios de sua carreira. Há muito de emocional nessa capacidade. E quando chega a hora de mais uma vez se reinventar, de construir um novo ciclo, ele está verdadeiramente apto a evitar seu próprio declínio, a continuar na organização ou deixá-la, na busca de um novo desafio, outra empresa, outro momento de sua carreira.

Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora da BTA

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LA GIOCONDA

História notória da Mona Lisa, que não conhecia. Fui contagiado pelo texto e transportado ao Louvre. Contada de forma envolvente, saiu hoje, no caderno EU & Fim de Semana – o melhor suplemento jornalístico semanal -, do Valor.

Mais que uma pintura

Simon Kuper | Do Financial Times

A “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci: seu roubo, em agosto de 1911, e a devolução, dois anos depois, até hoje rendem livros

Na manhã de 21 de agosto de 1911, uma segunda-feira, dentro do Museu do Louvre, em Paris, um encanador chamado Sauvet deparou com um homem não identificado parado diante de uma porta fechada. Vestia um jaleco branco, como todo o pessoal da manutenção do Louvre, e lhe disse que a porta estava sem maçaneta. O prestativo Sauvet abriu a porta com sua chave e alicates. O homem saiu do museu e desapareceu nas ruas em meio ao calor do verão parisiense. Escondida sob seu jaleco estava a “Mona Lisa” de Leonardo da Vinci.

O roubo de arte do século ajudou a transformar a “Mona Lisa” no que ela é hoje. Os jornais populares – fenômeno novo em 1911 – e a polícia procuraram o culpado em toda parte. A certa altura chegaram até a suspeitar de Pablo Picasso. Só uma pessoa foi detida pelo crime na França: o poeta Guillaume Apollinaire. Mas a polícia só foi descobrir o ladrão quando ele mesmo finalmente se apresentou.

Roubar “A Gioconda” – a retratada provavelmente é Lisa del Giocondo, mulher de um comerciante de seda de Florença – não foi difícil. Bastou ter sangue-frio. Assim como outros quadros do Louvre, ela era mal vigiada. Não estava presa à parede. O museu fechava às segundas. Agosto é o mês mais tranquilo em Paris. Naquela manhã, a maior parte dos zeladores estava ocupada com limpeza.

Polícia interrogou Apollinaire e Picasso depois que um amigo dos dois revelou ter roubado estatuetas do Louvre para vender a um pintor

Às 7h20 o ladrão provavelmente estava escondido em um armário do depósito, onde pode ter passado a noite. Tudo o que ele teve de fazer foi esperar até que o vigia idoso que estava cuidando de várias salas saísse de perto. Então, tirou o quadro dos ganchos, removeu a moldura da pintura e enfiou o quadro sob seu jaleco. O ladrão escolheu a “Mona Lisa” em parte porque ela era pequena: 53 cm por 77 cm. Seu único tropeço foi encontrar fechada a porta por onde pretendia escapar. Ele já havia removido a maçaneta com uma chave de fenda, antes de o encanador chegar para salvá-lo. Às 8h30, a “Mona Lisa” havia desaparecido.

Doze horas depois, escreve o francês Jérôme Coignard em “Une Femme Disparaît”, um dos vários livros sobre o crime, o zelador informou que tudo estava normal. Mesmo na manhã seguinte, ninguém havia notado a ausência da “Mona Lisa”. As pinturas sempre desapareciam por breves períodos no Louvre. Os fotógrafos do museu podiam levá-las para o estúdio sem precisar requisitá-las. Quando o pintor Louis Béroud chegou ao Salão Quadrado do Louvre na manhã de terça-feira para fazer um esboço da “Mona Lisa” e deparou com apenas quatro ganchos na parede, imaginou que ela estava com os fotógrafos.

Béroud brincou com o guarda: “É claro, Paupardin, que, quando as mulheres não estão com seus amantes, tendem a estar com seus fotógrafos”. Mas como a “Mona Lisa” ainda não havia voltado às 11 horas, Béroud pediu que Paupardin perguntasse aos fotógrafos quando ela estaria no seu lugar, diz a escritora americana R.A. Scotti no recente “Vanished Smile”. Os fotógrafos não a haviam pegado e o alarme foi dado. No canto de uma escada de serviço, a polícia encontrou a caixa de vidro que abrigava a pintura e a moldura.

“Les Demoiselles d’Avignon”, de Picasso, que deixou no ar uma dúvida: pode ser que tenha usado estatuetas ibéricas roubadas do Louvre como modelos para a tela

Críticos já haviam apontado a falta de segurança, mas o museu tinha adotado apenas umas poucas medidas corretivas excêntricas: ensinar judô aos idosos guardas, por exemplo. Jean Théophile Homolle, diretor de todos os museus nacionais da França, havia assegurado à imprensa antes de sair para as férias de verão que o Louvre era seguro. Depois do roubo, o jornalista francês Francis Charmes comentou: “‘A Gioconda’ foi roubada porque ninguém acreditava que isso poderia acontecer”.

“Alguns críticos classificam a pintura de a melhor que existe”, observou o “The New York Times”. Mas antes mesmo de a “Mona Lisa” desaparecer ela era mais que uma pintura. A façanha de Leonardo da Vinci foi fazer dela quase uma pessoa. “A ‘Mona Lisa’ foi pintada ao nível dos olhos e quase em tamanho real, de uma maneira perturbadoramente realista e transcendente”, escreve R.A. Scotti. Muitos românticos responderam ao quadro como se estivessem fazendo isso para uma mulher. A “Mona Lisa” recebeu cartas de amor e um pouco mais de vigilância do que outras obras de arte do Louvre porque alguns visitantes julgavam a pintura “afrodisíaca” e ficavam “visivelmente emocionados”, escreve Coignard. Em 1910, um homem apaixonado suicidou-se com um tiro diante dela.

Monsieur Bénédite, o curador-assistente do Louvre, disse ao “The New York Times”: “O motivo do roubo é um mistério para mim, uma vez que considero o quadro sem valor nas mãos de um único indivíduo”. Se você tivesse a “Mona Lisa”, o que poderia fazer com ela?

O Louvre ficou fechado por uma semana. Ao ser reaberto, filas se formaram do lado de fora pela primeira vez em sua história. As pessoas queriam ver o espaço vazio onde a “Mona Lisa” ficava. Inconscientemente, escreve Coignard, o Louvre estava exibindo a primeira instalação conceitual da história da arte: a ausência de uma pintura.

Em 1932, jornalista americano publicou a história, nunca confirmada, de um marquês argentino que lhe teria revelado ser mentor do crime

Entre os que a viram estavam dois escritores de Praga que viajavam pela Europa: Max Brod e Franz Kafka. Em suas andanças eles tiveram uma ideia brilhante: escrever uma série de guias (“Viajando com Pouco Dinheiro na Suíça”, “Viajando com Pouco Dinheiro em Paris” etc.) para outros viajantes pouco abastados. Kafka sempre esteve à frente de seu tempo.

Enquanto isso, a “Mona Lisa” se tornava uma sensação. R.A. Scotti escreve: “Fileiras de vedetes maquiadas como ‘Mona Lisa’ dançavam com os seios nus nos cabarés de Paris… Comediantes perguntavam, ‘Será a Torre Eiffel a próxima?’” O quadro era celebrado em canções populares (“Ela não podia ser roubada, pois a vigiamos o tempo todo, exceto nas segundas-feiras”.) Cartões-postais com a “Mona Lisa” foram vendidos pelo mundo em quantidade sem precedentes. Seu rosto anunciava de tudo, de cigarros a espartilhos. Nenhuma pintura havia sido reproduzida antes em tamanha escala. Conforme disse R.A. Scotti, subitamente ela se tornou ao mesmo tempo “alta cultura” e um “símbolo da cultura de consumo”. O pintor holandês Kees van Dongen foi um dos poucos a atacar a febre: “Ela não tem sobrancelhas e tem um sorriso engraçado. Ela devia ter dentes ruins para sorrir com a boca tão apertada”.

A polícia francesa estava sob pressão internacional para achar o ladrão. Tudo o que ela tinha era uma impressão digital que ele deixou na parede, além da maçaneta que ele jogou do lado de fora do museu. Sauvet, que o deixou sair, foi posto diante de incontáveis fotografias de funcionários e ex-funcionários do Louvre, mas não conseguiu reconhecer o ladrão. Funcionários e ex-funcionários foram interrogados e tiveram as impressões digitais tiradas, uma técnica nova em 1911, mas nenhuma impressão combinou com a do ladrão.

A polícia parisiense suspeitava que o roubo fora planejado por um círculo sofisticado de ladrões de obras de arte. No fim de agosto, achou que os havia encontrado. Um aventureiro bissexual belga chamado Honoré Joseph Géry Pieret apareceu na redação do “Le Journal” e vendeu ao veículo uma estatueta ibérica que havia roubado do Louvre. Disse que havia roubado, ainda, a estátua da cabeça de uma mulher do museu e vendido a um amigo pintor. Se esses bandidos haviam roubado as estatuetas, pensou a polícia, provavelmente também tinham roubado a “Mona Lisa”.

Em Paris, Pieret sempre ficava com Apollinaire, que certa vez disse que o Louvre deveria ser queimado. Apollinaire e Picasso eram amigos e, depois das revelações de Pieret, entraram em pânico. Picasso ainda mantinha duas estatuetas ibéricas antigas roubadas por Pieret no seu bufê em Montmartre. Havia usado as cabeças como modelos em 1907. “‘Les Demoiselles d’Avignon’ foi a primeira pintura a exibir a marca do cubismo”, relatou Picasso anos mais tarde. “Você se lembra do caso em que fui envolvido, quando Apollinaire roubou algumas estatuetas do Louvre? Elas eram estatuetas ibéricas… Bem, se você prestar atenção nas orelhas de ‘Les Demoiselles d’Avignon’, vai reconhecer as orelhas dessas esculturas!” Talvez ele até tenha encomendado o roubo a Pieret com as “Demoiselles” em mente.

À meia-noite de 5 de setembro, Picasso e Apollinaire saíram por Paris com as estatuetas em uma mala. Haviam decidido jogá-las no rio Sena. Mas, segundo R.A. Scotti, não tiveram coragem. Em 7 de setembro, investigadores detiveram Apollinaire. Ele confessou o crime e citou Picasso. Os dois choraram sob interrogatório. Mesmo assim, na corte, Picasso desmentiu o que havia dito na polícia e jurou não saber de nada. Posto diante de Apollinaire, afirmou: “Nunca o vi antes”. A polícia desistiu de investigá-los.

“Em dezembro de 1912 o Louvre pendurou um retrato de Rafael na parede vazia. A “Mona Lisa” havia sido dada como morta. O mundo havia quase se esquecido dela quando em 29 de novembro de 1913 o antiquário Alfredo Geri recebeu uma carta com o carimbo da posta-restante de Paris, enviada por “Leonardo”: “A obra de Leonardo da Vinci que foi roubada está comigo. Pelo jeito, pertence à Itália, já que o pintor era italiano”. Geri mostrou-a a Giovanni Poggi, diretor da Galeria degli Uffizi de Florença. Então Geri escreveu a “Leonardo”. Este lhe disse que iria levar a pintura a Florença.

Em 10 de dezembro, “Leonardo” apareceu subitamente. Era um homem miúdo, de 1,60 m e bigode encerado. Quando Geri perguntou se sua “Mona Lisa” era real, “Leonardo” respondeu que ele mesmo a havia roubado do Louvre. Disse que queria “devolvê-la” à Itália em troca de 500 mil liras “para cobrir as despesas”. Ele tinha só 1,95 franco francês no bolso.

Geri combinou com Poggi de ir ver a pintura no quarto de “Leonardo” num hotel. Lá, “Leonardo” fechou a porta, puxou um estojo que estava sob a cama e tirou um pacote, desembrulhando-o e revelando a “Mona Lisa”. Os três acertaram que Poggi e Geri levariam a pintura à Uffizi para autenticá-la. Poggi estabeleceu pelo padrão das rachaduras da pintura que ela era autêntica. Após entregá-la, “Leonardo” saiu calmamente, passeando por Florença. Mas, para sua surpresa, foi preso no hotel pela polícia italiana. Como Monsieur Bénédite do Louvre havia alertado, a obra havia se mostrado sem valor nas mãos de um indivíduo.

Descobriu-se que o ladrão era Vincenzo Peruggia, italiano de 32 anos que viveu em Paris. Era um pintor de paredes que acabou se tornando vidraceiro. Tinha sequelas de um envenenamento por chumbo. Morava em um quarto num bairro do leste de Paris que mesmo hoje ainda é em grande parte ocupado por imigrantes. A “Mona Lisa” passou a maior parte de dois anos sobre sua mesa de cozinha. “Fiquei apaixonado por ela”, disse Peruggia na cadeia, repetindo o clichê romântico. Um psiquiatra nomeado pela Justiça o diagnosticou como “mentalmente deficiente”.

A polícia francesa realmente deveria tê-lo achado. Peruggia trabalhou por pouco tempo no Louvre. Na verdade, ele fez a moldura de vidro da “Mona Lisa” – a mesma que removeu na manhã do roubo. Um investigador chegou a conversar com ele no seu quarto, mas não avistou a pintura. Além disso, Peruggia havia sido condenado criminalmente por dois incidentes (um deles a briga com uma prostituta), de modo que a polícia tinha suas impressões digitais. Infelizmente, o famoso detetive Alphonse Bertillon, que estava no caso da “Mona Lisa”, só catalogou as impressões digitais da mão direita dos suspeitos. Peruggia deixou a impressão digital da esquerda no Louvre.

Ele ficou preso até o início do julgamento em Florença, em 4 de junho de 1914. Questionado pela polícia, por jornalistas e na corte, Peruggia forneceu relatos contraditórios sobre como entrou no Louvre e saiu de lá. Sob interrogatório, emergiu como o tipo de imigrante decepcionado que em época e lugar diferentes poderia ter se tornado terrorista, em vez de ladrão de obras de arte. Em Paris ele era sempre insultado pelas pessoas, que o chamavam de “macaroni”. Quando, uma vez, mencionou a um colega do Louvre que os quadros mais admirados do museu eram os italianos, o colega deu risada. Contou ter visto certa vez um quadro das tropas de Napoleão carregando obras de arte italianas roubadas para a França. Disse que decidiu devolver à Itália pelo menos uma delas, a fácil de carregar “Mona Lisa”. Na verdade, trabalhou com uma hipótese errada: os franceses não roubaram a “Mona Lisa”.

Depois da prisão, houve um breve rompante de “peruggismo” patriótico na Itália. A maioria das pessoas ficou desapontada com sua importância. Peruggia estava mais para um Lee Harvey Oswald do que a mente criminosa que haviam imaginado. “Estava bem claro que ele era um perdedor clássico”, diz Donald Sassoon no livro “Becoming Mona Lisa”.

Apesar das alegações de patriotismo de Peruggia, foi revelado no tribunal que ele havia ido a Londres numa tentativa de vender a pintura para o comerciante de arte Duveen, que riu dele. A menção desse fato provocou a única demonstração de raiva de Peruggia durante o julgamento. Ele havia descrito antes a tentativa de venda, mas no tribunal a desmentiu aos berros. Peruggia havia feito listas de negociantes e colecionadores que, esperava, poderiam comprar a pintura. Também escreveu à sua família dizendo que logo seria rico. (“Palavras românticas, sua excelência”, explicou no tribunal.) Joe Medeiros, cineasta americano que está terminando um documentário sobre o roubo, acredita que Peruggia foi motivado principalmente pelo orgulho de imigrante. “Ele era o tipo de sujeito que normalmente não é respeitado e acho que pensava que era melhor do que era reconhecido, de modo que decidiu provar isso”, comenta. “E acho que de uma maneira estranha e perversa ele provou.”

Peruggia teve sorte por não ter sido julgado na França. Na Itália, seu advogado disse no argumento conclusivo, sob aplauso dos espectadores e lágrimas do réu, que “ninguém deseja a condenação do acusado”. Ninguém perdeu nada com o roubo, observou. A “Mona Lisa” foi recuperada. Era agora mais famosa do que nunca. Ela havia feito um breve passeio pela Itália, antes de voltar para o Louvre. Peruggia foi condenado a um ano e 15 dias de prisão. Semanas depois, a pena foi reduzida para sete meses e nove dias. Ele foi solto após cumpri-la.

De todo modo, na época o mundo tinha preocupações maiores. O arquiduque da Áustria Franz Ferdinand foi assassinado em Sarajevo e em 28 de julho o império austro-húngaro declarou guerra à Sérvia. A Primeira Guerra Mundial estava começando. O caso da “Mona Lisa” foi deixado de lado por muitos anos.

Livre, Peruggia voltou ao hotel onde havia se encontrado com Geri e soube que ela havia sido renomeada “La Gioconda”. Peruggia serviu o Exército italiano na Primeira Guerra e depois retornou para a França, onde abriu uma loja de tintas na Alta Saboia. Morreu lá aos 44 anos, em 1925, talvez das consequências do envenenamento por chumbo. Deixou mulher e uma filha de colo (que morreu na Itália em março deste ano, aos 86 anos).

A sensação de que a “Mona Lisa” merecia um ladrão mais grandioso nunca passou. Em 1932 um famoso jornalista americano colaborou com isso. Karl Decker publicou o artigo “Por que e como a Mona Lisa foi roubada” no “Saturday Evening Post”. Disse que esperara tanto tempo para publicá-lo por ter prometido à sua fonte que revelaria tudo só depois da morte desta. Em 1914, em Casablanca, escreveu, havia encontrado um velho amigo, um vigarista argentino conhecido como marquês de Valfierno. Em conversas regadas a conhaque, o tal marquês disse a Decker que Peruggia havia sido apenas o agente de seu crime perfeito.

Primeiro, o marquês encomendou a um falsificador francês seis cópias da “Mona Lisa”. Ele as embarcou para os Estados Unidos. Em seguida, negociou com Peruggia o roubo do quadro. Depois, o marquês vendeu secretamente as cópias para colecionadores americanos, por milhões de dólares cada uma, fingindo a cada vez que era a “Mona Lisa” autêntica. A única falha do plano, disse o marquês, foi que Peruggia tentou vender a pintura verdadeira. Aí estava, finalmente, uma mente criminosa digna da “Mona Lisa”. O único problema é que é quase certo que Decker inventou essa história. Não há evidências externas que a corroborem, nem mesmo da existência do marquês.

Dia desses fui ver a “Mona Lisa”. Não era o único. A partir do momento em que você entra no Louvre, vê sinais apontando para seu rosto sorridente (ou, conforme disse W. Somerset Maugham, “o sorriso insípido daquela jovem empertigada e carente de sexo”). Você entra na sala onde ela é exibida e depara com duas centenas de pessoas, muitas com celulares levantados acima da cabeça para tirar fotos. A certa distância está um quadro surpreendentemente pequeno de uma mulher sorridente, bastante obscurecido pelos celulares. Ela está atrás de uma moldura e uma segunda folha de vidro, que a protege, mas distorce suas cores. Sua beleza está perdida e há pouca coisa ali para apreciar. Dá para ter inveja de Peruggia, em sua época, sozinho com ela em seu quarto.

A maior parte do Louvre é relativamente calma. Outras grandes obras, muitas saqueadas por Napoleão, despertam pouca atenção. Você pode admirar sozinho obras de Rafael por um minuto ou dois de cada vez. Não que a “Mona Lisa” seja melhor que as demais. A questão é que elas são pinturas e ela é uma pessoa. Isso em parte por causa do gênio de Da Vinci e em parte por causa do mito que se criou à sua volta. Esse mito deriva também da história do roubo e da recuperação. “Uma pintura foi transformada, antropomorficamente, em uma pessoa, uma celebridade”, diz Donald Sassoon. Peruggia, ao escolher a “Mona Lisa” naquela manhã, ajudou a colocá-la acima de todas as outras pinturas. Isso, e uma boa história, é o seu legado.

(Tradução de Mario Zamarian)

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ROLHA SINTÉTICA NÃO SERVE

Eu falo e ninguém acredita. Rolha sintética, além de tirar todo o ritual inicial do vinho, atrapalha na evolução do sabor. A chamada screw cap, que já encontramos por aí e conheci pela primeira vez num syrah muito bom parece ser a alternativa – com o perdão do trocadilho – mais palatável. Olha que interessante o experimento que o Jorge Lucki participou e relatou hoje, no Valor.

Meu vinho: Pesquisa do Château Margaux mostra que o material “saudável” ainda garante a melhor vedação.

“Doença da rolha” fomenta busca por alternativas à cortiça

É sempre constrangedor recusar garrafa de vinho em restaurantes, alegando que ele “não está bom”. A atitude pode ser vista como implicação do cliente, demonstração de poder ou tentativa de se mostrar um expert (conhecidos como “enochatos”). O assunto é delicado e requer educação e bom senso, em especial porque não são raros os casos de clientes inexperientes que confundem vinho estragado com o que não lhes agrada – assim como há aqueles que bebem os vinhos comprometidos sem nem perceberem. Embora a casa tenha a obrigação de servir o produto sem nenhum defeito, e trocá-lo se isso acontecer, nem sempre o profissional encarregado do serviço tem conhecimento e discernimento para confirmar que a garrafa está com problema. Espera-se ao menos que alguém no restaurante tenha.

Deixando de lado questões ligadas à conservação – não é necessariamente por culpa do restaurante, isso pode ter ocorrido antes da compra -, o que resultaria numa bebida em fase de declínio, com sinais de oxidação, ou a um defeito de vedação específico daquela garrafa, a expectativa é com relação ao defeito conhecido como “doença da rolha”, “bouchonné”, ou “corked” (derivação de bouchon e cork, traduções de rolha em francês e inglês, respectivamente). Caracteriza-se por um odor desagradável que lembra bolor ou pano molhado, identificável também na boca pelo gosto desagradável.

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PERÍODO SABÁTICO

Chegou em boa hora esta coluna do Divã Executivo, no Valor, do dia 06/07/2011: quem deveria estar deitado nele sou eu!

O ano sabático pode prejudicar a carreira?

Desde que comecei minha carreira, gosto de alternar três anos de trabalho intenso com um ano sabático, que uso para viajar e me dedicar a projetos pessoais. Esse esquema funciona muito bem para mim: considero três anos tempo suficiente para encerrar um ciclo na companhia e costumo receber propostas de emprego com certa frequência na volta. Além disso, sempre volto com energia e ideias renovadas para encarar a pesada rotina da minha profissão. Meu atual chefe, porém, disse que esse comportamento poderia me prejudicar e que só estou conseguindo manter esse estilo de vida porque o mercado está aquecido. Fiquei preocupado, pois gostaria de continuar nesse ritmo, mas receio comprometer meu futuro profissional. O que devo fazer?

Consultor de tecnologia, 36 anos

Resposta:

Tenho certeza que o seu questionamento ajudará na reflexão de muitos profissionais que cada vez mais têm escolhido o ano sabático como item obrigatório na busca por qualidade de vida e autoconhecimento.

O costume de aplicar essa pausa na carreira surgiu há dois séculos no contexto acadêmico, com o intuito de propiciar aos professores uma reciclagem profissional e maior produtividade no seu retorno; os períodos de pausa eram de um ano depois de seis lecionando. Porém, quando falamos de escolhas, falamos de referências individuais. Ou seja, nem todo mundo pode enxergar o ano sabático como algo positivo, assim como nem todas as carreiras se adaptam ao modelo que você adotou.

A sua área de atuação (tecnologia) e a sua escolha de carreira (consultor) permitem essa dinâmica e acredito que você consegue aproveitar esse período como gostaria. Existem empresas que se adaptam às necessidades de determinados colaboradores e oferecem o ano sabático dentro de um pacote de benefícios.

No entanto, essa prática é rara, mas pode se tornar uma tendência diante da customização de pacotes de atração e retenção que algumas organizações têm praticado para terem os melhores talentos em seus quadros. A maioria que opta hoje pela realização de um ano sabático faz isso por uma decisão pessoal e, se está vinculada formalmente a uma empresa, acaba tendo que pedir demissão para poder colocar esse projeto em prática.

O problema em seguir a sua dinâmica não é o da empregabilidade, mas sim o de como você visualiza a sua carreira no longo prazo. Caso tenha como objetivo de vida continuar atuando como consultor de tecnologia, não acredito que o ano sabático será um grande entrave, uma vez que essa é uma carreira que permite a você seguir com o seu atual modelo de trabalho. No entanto, se existe algum interesse em progredir profissionalmente e atuar como gestor, aí sim você pode acabar se prejudicando.

Cargos de gestão exigem consistência, desenvolvimento e experiências por períodos mais longos e estáveis. Até mesmo para abrir o próprio negócio é necessário ter habilidades e comportamentos que somente ciclos mais completos e mais amplos do que uma contribuição mais pontual como consultor podem oferecer.

Isso significa que seu atual ritmo pode comprometer a sua empregabilidade se você um dia decidir mudar de carreira. Manter a ideia da pausa seguindo outros intervalos de tempo vai depender do seu autoconhecimento e do seu planejamento financeiro.

Os especialistas no tema dizem que, caso você decida pelo ano sabático, é recomendável que você aproveite mesmo o final de um ciclo profissional (cargo, projeto, contexto) para realizar essa pausa e que se programe para que ela realmente aconteça e seja vivida sem nenhum tipo de culpa.

Sofia Esteves é psicóloga com especialização em recursos humanos e presidente do grupo DMRH.

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