+ipê -apê
De uma demanda na PBH [chego, muitas vezes, a pensar que a letra B é de Bartleby], encontro a gênese deste projeto. Pode ser lido como uma crônica, uma crítica, um protesto, uma constatação e uma preocupação. Em 22 de fevereiro de 2018, testemunhei a supressão de uma árvore de grande porte – da espécie Sibipiruna – no Santo Antônio, bairro onde moro, localizado na região centro-sul de Belo Horizonte.
Não havia ainda tomado consciência, mas a operação executada me atinou para o fato de que diversas árvores de grande porte que faziam parte dos meus trajetos cotidianos vinham sofrendo supressões pela prefeitura. E, aparentemente, sem contar com uma política clara de replantio, já que muitas ruas vão acumulando e perenizando os tocos residuais das árvores outrora existentes.
Fui levado a abrir solicitações formais no “serviço de atendimento ao cidadão” – canal da PBH para registro e processamento das demandas da cidade – para a denominada destoca, isto é, a retirada dos tocos e raízes. Uma vez realizada a destoca da referida árvore, o pedido era para, na sequência, proceder com o plantio de nova espécime.
A solicitação de replantio foi prontamente denegada, já que só poderia ser atendida e executada após a destoca. Já a supressão do toco e respectivas raízes – após diligência do órgão responsável –, foi acatada e autorizada. Salvo detalhe: deveria ser observado o incrível prazo de 90 dias para a execução efetiva do serviço.
Cumprido o prazo, nada foi realizado. A partir de novas solicitações, caí no limbo: as demandas sempre retornavam denegadas, já que havia um protocolo previamente aberto e “em processamento”. Independentemente da execução, ou não, do serviço dentro do prazo máximo estipulado.
Com isso, já em processo avançado de resignação, passei a reparar uma ação sistemática: no acelerado processo de verticalização do bairro, os edifícios em construção suprimiam as árvores existentes nas calçadas e replantavam arbustos. Ou, lamentavelmente mais comum, não replantavam nada.
Passei a questionar se não teríamos, então, uma típica discussão sobre correlação e causalidade.
Por óbvio, são implicações. Contudo, tal correlação não implicaria em causalidade. Isto é, construir prédios no bairro Santo Antônio não é, necessariamente, a causa para a supressão das árvores das vias urbanas. Ou seria?
Diante de fenômeno tão complexo e multifacetado, é relevante observar a tomada de posição de arquitetos, urbanistas, engenheiros, construtoras, além, é claro, das demandas, interesses e requisitos que atraem os novos moradores que ocuparão os espaços.
É aquela velha e boa história: não é porque o galo e o nascer do sol estão fortemente correlacionados que a aurora é provocada pelo galináceo. Contudo, há efetivamente dois eventos relacionados, ocorrendo em sincronia impressionante: prédios subindo e árvores descendo.
As correspondências entre os dois eventos, que me parecem conectados entre si, pode até não apresentar uma relação de causa e efeito. Por que será, então, que o surgimento de um edifício induz, reivindica ou condiciona a supressão de uma árvore?
Donde surgiu o +ipê -apê. Faço uso dos tipos da Tanki Stencil – ressalte-se, mais um trabalho incrível do Ricardo Donato. Classificaria como um selo-protesto formado por uma assonância-aliterativa-delirante, convite para exaltar a relevância de se pensar os espaços e as relações na cidade. Pode ser um nada, um sussurro perto da força avassaladora e destrutiva que nossas ações no tempo vão impondo à configuração dos espaços urbanos. Mas é também um sinal de alerta. Afinal, habitar é também costume. Um hábito: quero dizer, uma indumentária e um comportamento.
(Projeto de 2019)